quinta-feira, 7 de maio de 2009

Enquanto esperava, tentei abstrair-me da quantidade de barrigas gigantes que me rodeavam e das conversas sobre pernas inchadas e contagem de semanas que insistiam em meter-se no meio da Caras em que tinha pegado para passar o tempo. À saída, por entre o pagamento e o recibo e a marcação da próxima consulta, não pude deixar de reparar que o número de barrigas à espera tinha aumentado e muito e não pude deixar de sentir o ar de felicidade que pairava naquela sala de espera. Senti-me em filme alheio e com uma vontade enorme de sair dali rapidamente para não estragar o quadro. Na rua, senti-me mal por me sentir assim e vim o caminho todo a pensar na pressão que sinto sobre a maternidade.
São as bocas do "então, quando é que te decides?" ou "devias começar a pensar nisso" ou "vê lá que depois já ficas velha e não tens paciência" ou "olha que se não te despachas, quando os teus filhos forem adolescentes tens a idade dos teus avós". São os "queria tanto ter um neto ou uma neta para poder passear e me fazer companhia" ou "todos os meus amigos já são avós, só eu é que não" ou "ter um neto ´que me faria feliz". É o olhar à volta e ver que todos os casais amigos, já têm filhos, uns planeados, outros não. É o ouvir com orgulho a maneira como cada um fala dos seus filhos como se fossem seres absolutamente perfeitos e sempre os melhores e o orgulho com que dizem que já são pais e mães. É a inevitável deixa "é tão bom, tens de ter".
Eu gosto de crianças, gosto muito de crianças, aliás. Simplesmente, neste momento, não me apetece ser mãe. Não sinto que tenha chegado a minha hora. Não sinto que esteja preparada para assumir essa responsabilidade e tudo o que isso implica.
Não nego que tenha que ver com egoismo, mas não me apetece nada deixar de conhecer a parte do mundo que me falta, deixar de poder passar fins de semana onde bem me apetece. Não me apetece andar feita louca sem domir uma noite seguida, deixar de trabalhar uns meses, regressar e sentir-me um alien e passar o tempo a tentar conciliar as papas, as fraldas e os horários de loucos que um trabalho implica. Não me apetece ter a responsabilidade de ter alguém a meu cargo o tempo todo e para sempre e sentir que há alguém que precisa mesmo de mim, a quem eu não posso desiludir. Não me sinto capaz de educar ninguém, de ter o trabalho de dizer não e explicar porquê. Não me apetece tornar-me mais empregada doméstica do que já sou e deixar um filho ser criado por uma não é mesmo dos meus princípios. Como diria o Pedro Paixão "quase gosto da vida que tenho" e não me apetece mesmo mudá-la. Esta é que é a verdade.
O pior é que assumir isto é mais complicado do que parece. A mim, pesa-me a consciência porque era suposto eu sentir as coisas de outra maneira. E os outros, acham-me um ser egoísta e bizarro.

6 comentários:

Anónimo disse...

Não tens que te subjugar à vontade dos outros ou áquilo que se diz socialmente aceitável... Pensa que o que é mais certo social e pessoalmente é ser-se boa mãe! Esse momento pode ou não chegar... Se chegar, óptimo! Agora impores esse momento a ti própria não te fará bem a ti nem à criança que poderás ter... Compreendo que não seja fácil! É só estar um bocadinho atenta para perceber que as coisas funcionam assim, por marcadores de tempo sociais que se nos entram (ou teimam em entrar) pela vida dentro... Por isso desejo-te muita força!

Um beijinho*

CPrice disse...

C. em primeiro lugar confesso que este lavar de alma na negação da maternidade é dos mais sinceros que já li. E quase que apostava que lhe fez um bem imenso desabafar no papel branco :)

Depois, que posso acrescentar?
Que sou apologista de só tomarmos determinadas decisões na nossa vida quando e se chegarmos a senti-las. Nem antes, nem depois.

:)

C disse...

PBV: Tens toda a razão! Mesmo toda. Só que não é mesmo nada fácil. O pior é mesmo sentires que estás a defraudar as expectativas de quem te quer bem...

C disse...

Once: Fez sim! :)) Melhor seria poder dizer "deixem-me em paz" em lugar de fazer aquele sorriso amarelo e desligar o som...
Talvez um dia sinta essa grande vontade...

Mad disse...

Era capaz de estar aqui a escrever por meia hora, mas não tenho tempo.

Percebo-te perfeitamente, senti exactamente isso até há 1 ano atrás. O problema é que os marcadores de tempo não são só sociais, são também biológicos. Eu também decidi ter um filho tarde e a más horas (aos 42, mais concretamente), e agora pago o preço: não está a ser fácil e não sei se será possível.

Mas lá está, não sei que idade tens :)

C disse...

Mad: tenho menos 10, por isso acho que há ainda algum tempo. E, depois, há sempre a adopção.